sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A fidelidade masculina

Não vou escrever sobre por que os homens traem, nem se traem mais ou menos do que as mulheres. Na verdade acho que ambos traem com a mesma frequência, talvez por motivos diferentes; o que acontece é que, enquanto uma mulher pode sair durante meses com o cara que ela conheceu na academia sem nem a irmã saber, o cara sai duas vezes com uma mulher do trabalho e logo até o porteiro tá sabendo.

Mas hoje vou falar sobre a fidelidade dos homens ao seu barbeiro ou cabeleireiro. Muitas vezes ouvi mulheres com quem trabalhei falando que a Márcia tá com um preço ótimo nas luzes, que a Fátima faz a melhor escova permanente da cidade ou que quando a ocasião é especial ela vai ao salão da Fabíola, porque lá dá pra fazer tudo em um lugar só.

Homem em geral não faz isso. Ok, deve ser estranho pra quem me conhece eu escrever sobre esse assunto, afinal, sou careca há uns sete anos. Mas, embora ainda escute risinhos quando digo que estou indo cortar o cabelo, eu vou. No meu primeiro corte, quando tinha um ano e cabelo encaracolado, meu pai me levou ao barbeiro dele, e lá fiquei até meus 13 anos. Só parei porque ele ficou velho e coincidentemente ficou doente quando começou a cortar orelhas e deixar falhas no cabelo dos fregueses. As falhas ele deixou no meu cabelo, o corte foi na orelha do meu pai. Aí passei mais uns dois anos cortando com dois caras que tinham salão meio longe, ficaram careiros e depois cada um teve seu salão, mais uns quatro em um cabeleireiro perto de casa, e parei quando ele resolveu que não ia mais cortar cabelos, mas fabricar sacolas de plástico pra supermercados.

Coincidentemente, foi aí que comecei a fazer Tiro de Guerra (pra quem não sabe, é um quartel mais light, só de manhã e umas 2 ou 3 guardas por mês) e de 15 em 15 dias dois cabeleireiros iam lá raspar nosso cabelo pela metade do preço que cobravam. Um deles, mesmo recebendo menos, fazia o trabalho direito, enquanto outro fazia correndo. A gente sabia só de olhar pros cabelos uns dos outros com quem você tinha dado a sorte ou azar de raspar o seu.

E aí entra a tal fidelidade. Desde então eu raspo meu cabelo, e de um ano pra cá acerto a barba, com esse mesmo cara, o Fabiano, o que raspava direito. É um ritual ir ao barbeiro/cabeleireiro, é a oportunidade de falar sobre política, trabalho, mulher e futebol sem se preocupar, simplesmente ir falando o que der na telha. Hoje vejo que essa fidelidade tem paralelo com outra fidelidade, a de uma pessoa a seu time de futebol: ele é santista, viúva de Pelé, Robinho e agora Neymar, eu sou corinthiano, atualmente viúvo de gols.

Em 99, ano em que fiz o Tiro de Guerra, o Corinthians tinha provavelmente o time mais forte tecnicamente da sua história, com Dida, Rincón, Vampeta, Marcelinho, Luizão, Edilson, Ricardinho; o Santos tinha um time mediano e vinha em um jejum de 15 anos sem títulos. Essa fidelidade passou pela (semi)final antecipada do Paulista de 2001, em que quem vencesse estava com a mão na taça, pois com certeza derrotaria o Botafogo de Ribeirão na final. O Corinthians fez um gol nos acréscimos e eu tive combustível pra tirar sarro dele no meu próximo corte. Aí veio 2002, e aquela final em que Robinho e Diego acabaram com meu time, então o favorito. Teve 2004, em que o Santos foi campeão e o Corinthians precisou do Tite pra sair da zona de rebaixamento para terminar em um então mais que suficiente 5º lugar.

Claro, não posso deixar de lembrar aquele eterno 7 x 1 em que Nilmar e Tevez deitaram e rolaram, esse foi mais ou menos como a pedalada do Robinho, um tirava sarro e o outro nem tinha o que dizer, só sorria amarelo. Aí vieram Ronaldo, Neymar, os times ganhando Libertadores em anos consecutivos e ultimamente nenhum dos dois tem muito o que dizer,  o Santos tem um time meia-boca e o Corinthians um time forte no papel, mas que na prática não faz gol nem com macumba ou reza braba e que dá sono de assistir.

Mas e aí, eu continuei morando em Avaré todo esse tempo pra continuar cortando cabelo com o mesmo cara? Não, de 2000 pra cá morei um tempo em Londrina, em Santos e Botucatu, anos em Bauru, um ano em São Paulo e agora estou há mais de dois anos em Campinas. Mas nas minhas idas mensais a Avaré sempre teve isso, ir ao Fabiano dar uma acertada na careca, tirar sarro do Santos ou aguentar ele tirando sarro do Corinthians.


Aliás, Fabiano, vai abrir o salão no sábado do feriado?

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Sobre pessoas e gavetas

Temos mania de engavetar as pessoas. Não tou falando no sentido de guardar pra depois, mas de separar as pessoas em gavetas, como a gente faz com cuecas e meias. As meias vão nessa gaveta, as cuecas naquela... Uma meia não serve como cueca, uma cueca não dá pra usar como meia.

A questão é que pessoas não são meias nem cuecas, e a gente as classifica porque é mais cômodo, mas fácil ver as pessoas assim. Acho que algumas obras de ficção também ajudam, elas estão cheias de estereótipos, poucos autores são capazes de passar a complexidade que é o ser humano.

Se a gente não conhece alguém, mas sabe que essa pessoa gosta de muito de ler, provavelmente vamos pensar nela como o gordinho tímido que mal consegue fazer contato visual, se alguém diz que gosta de novela, pensamos que deve ser alienada, se admite que gosta de ir à academia, deve ser daqueles que não sabem nem o nome do prefeito e malemá escreve o nome. Se uma mulher transa no primeiro encontro, vai pra gaveta das fáceis,- como se uma pessoa seguir a própria cabeça e fazer o que sente vontade fosse defeito- se um cara te trata bem, é pra gaveta dos legais, se trata com desprezo, deve ser a versão acessível do Wolverine. E a gente repete esse padrão em tudo, na visão política, no trabalho...

Quantas vezes não nos permitimos conhecer direito alguém, seja um amigo, colega de trabalho ou alguém por quem temos ou que tem na gente algum interesse pessoal? Quantas vezes colocamos as pessoas numa gavetinha e não permitimos que ela mostre que é muito mais do que a gente está vendo, que gaveta não é lugar pra pessoas?

Na época de Unesp cansei de ouvir o pessoal da comunicação dizendo que engenheiro é tudo tapado e engenheiro dizendo que na comunicação só tinha vagal e bicho grilo. Claro que eu também já fiz brincadeiras assim, mas me cuidava pra que isso ficasse só na piada, na provocação. Nunca deixei de ser amigo de alguém porque ele parecia se encaixar em uma gaveta que não me agradava. Se a gente percebesse quanta gente legal deixamos de conhecer porque nos recusamos a vê-la como uma pessoa real, cheia de contradições e paradoxos...

Não vá pelo caminho mais fácil, não coloque as pessoas numa gaveta etiquetada, elas são mais complexas do que parecem dentro das gavetinhas que você criou na sua cabeça. Ah, se isso tem algo de autobiográfico? Claro, eu gasto dinheiro com livros e whey protein e não sou nem o gênio letrado nem a porta bombada que só sabe contar o número de repetições do supino.