quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Sobre pessoas e gavetas

Temos mania de engavetar as pessoas. Não tou falando no sentido de guardar pra depois, mas de separar as pessoas em gavetas, como a gente faz com cuecas e meias. As meias vão nessa gaveta, as cuecas naquela... Uma meia não serve como cueca, uma cueca não dá pra usar como meia.

A questão é que pessoas não são meias nem cuecas, e a gente as classifica porque é mais cômodo, mas fácil ver as pessoas assim. Acho que algumas obras de ficção também ajudam, elas estão cheias de estereótipos, poucos autores são capazes de passar a complexidade que é o ser humano.

Se a gente não conhece alguém, mas sabe que essa pessoa gosta de muito de ler, provavelmente vamos pensar nela como o gordinho tímido que mal consegue fazer contato visual, se alguém diz que gosta de novela, pensamos que deve ser alienada, se admite que gosta de ir à academia, deve ser daqueles que não sabem nem o nome do prefeito e malemá escreve o nome. Se uma mulher transa no primeiro encontro, vai pra gaveta das fáceis,- como se uma pessoa seguir a própria cabeça e fazer o que sente vontade fosse defeito- se um cara te trata bem, é pra gaveta dos legais, se trata com desprezo, deve ser a versão acessível do Wolverine. E a gente repete esse padrão em tudo, na visão política, no trabalho...

Quantas vezes não nos permitimos conhecer direito alguém, seja um amigo, colega de trabalho ou alguém por quem temos ou que tem na gente algum interesse pessoal? Quantas vezes colocamos as pessoas numa gavetinha e não permitimos que ela mostre que é muito mais do que a gente está vendo, que gaveta não é lugar pra pessoas?

Na época de Unesp cansei de ouvir o pessoal da comunicação dizendo que engenheiro é tudo tapado e engenheiro dizendo que na comunicação só tinha vagal e bicho grilo. Claro que eu também já fiz brincadeiras assim, mas me cuidava pra que isso ficasse só na piada, na provocação. Nunca deixei de ser amigo de alguém porque ele parecia se encaixar em uma gaveta que não me agradava. Se a gente percebesse quanta gente legal deixamos de conhecer porque nos recusamos a vê-la como uma pessoa real, cheia de contradições e paradoxos...

Não vá pelo caminho mais fácil, não coloque as pessoas numa gaveta etiquetada, elas são mais complexas do que parecem dentro das gavetinhas que você criou na sua cabeça. Ah, se isso tem algo de autobiográfico? Claro, eu gasto dinheiro com livros e whey protein e não sou nem o gênio letrado nem a porta bombada que só sabe contar o número de repetições do supino.