Temos mania de engavetar as pessoas. Não tou falando no
sentido de guardar pra depois, mas de separar as pessoas em gavetas, como a
gente faz com cuecas e meias. As meias vão nessa gaveta, as cuecas naquela...
Uma meia não serve como cueca, uma cueca não dá pra usar como meia.
A questão é que pessoas não são meias nem cuecas, e a gente
as classifica porque é mais cômodo, mas fácil ver as pessoas assim. Acho que
algumas obras de ficção também ajudam, elas estão cheias de estereótipos,
poucos autores são capazes de passar a complexidade que é o ser humano.
Se a gente não conhece alguém, mas sabe que essa pessoa
gosta de muito de ler, provavelmente vamos pensar nela como o gordinho tímido
que mal consegue fazer contato visual, se alguém diz que gosta de novela,
pensamos que deve ser alienada, se admite que gosta de ir à academia, deve ser
daqueles que não sabem nem o nome do prefeito e malemá escreve o nome. Se uma
mulher transa no primeiro encontro, vai pra gaveta das fáceis,- como se uma
pessoa seguir a própria cabeça e fazer o que sente vontade fosse defeito- se um
cara te trata bem, é pra gaveta dos legais, se trata com desprezo, deve ser a
versão acessível do Wolverine. E a gente repete esse padrão em tudo, na visão
política, no trabalho...
Quantas vezes não nos permitimos conhecer direito alguém,
seja um amigo, colega de trabalho ou alguém por quem temos ou que tem na gente
algum interesse pessoal? Quantas vezes colocamos as pessoas numa gavetinha e
não permitimos que ela mostre que é muito mais do que a gente está vendo, que gaveta
não é lugar pra pessoas?
Na época de Unesp cansei de ouvir o pessoal da comunicação
dizendo que engenheiro é tudo tapado e engenheiro dizendo que na comunicação só
tinha vagal e bicho grilo. Claro que eu também já fiz brincadeiras assim, mas me
cuidava pra que isso ficasse só na piada, na provocação. Nunca deixei de ser
amigo de alguém porque ele parecia se
encaixar em uma gaveta que não me agradava. Se a gente percebesse quanta gente
legal deixamos de conhecer porque nos recusamos a vê-la como uma pessoa real,
cheia de contradições e paradoxos...
Não vá pelo caminho mais fácil, não coloque as pessoas numa
gaveta etiquetada, elas são mais complexas do que parecem dentro das gavetinhas
que você criou na sua cabeça. Ah, se isso tem algo de autobiográfico? Claro, eu gasto
dinheiro com livros e whey protein e não sou nem o gênio letrado nem a porta
bombada que só sabe contar o número de repetições do supino.