quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Crescendo


Aprender a pegar laranja e mexerica no pé com os tios, aprender os nomes dos bichos de plástico com um deles, querer ajudar o pai a consertar a moto da empresa e quebrar o farol na martelada. Ouvir história do Cascão, brincar de jogo da memória com sua tia, ganhar e até hoje não saber se você era bom ou se ela deixava, apanhar morango na horta com a outra tia, esperar sua tia de Santos no Natal. Dormir à tarde pra poder ver filme que acabava tarde, crescer brincando na rua de terra, brincar de Playmobil fazendo buraco nessa rua de terra. Polícia e ladrão, mãe da rua, esconde-esconde e pega-pega na rua sem perigo de ser atropelado. Esperar os primos na Páscoa, nas férias de julho e no Natal. Ir com eles comer cachorro quente nos trailers da Concha Acústica e depois tomar sorvete na Eiffel ou na Golfinho. Jogar bola na rua e no quintal da vó até ela xingar porque quer ver televisão. Ver sua mãe ir na sua escolinha descobrir qual o doce que você viu um menino comendo e tá com vontade. Ir pra escola sozinho desde pequeno sem isso ser nem um pouco perigoso. Ver sua cachorrinha correr pelo quintal, ficar velhinha e morrer dormindo, jogar capucheta com pedra pra cima e na queda essa pedra acertar a cabeça duma criança bem quando seu pai tá passando. Jogar bola na rua de cima. Soltar pipa que o seu amigo empinou pra você porque você não sabe, bolinha de gude que você é meia-boca, bater bafo, jogar botão e finalmente ser bom numa brincadeira dessas tradicionais. Trocar figurinha do Campeonato Brasileiro, da Copa e do Ping-Pong. 

Ter uma das letras mais feias e uma das melhores notas da classe, ser representante de classe sem saber exatamente pra que serve além de buscar giz pra professora. Ver a primeira Copa na hora do almoço e achar a coisa mais legal do mundo, comemorar o primeiro Brasileirão do Corinthians levado nas costas pelo Neto, ir brincar na casa dos amigos de escola, não gostar de videogame, passar a gostar de videogame, assistir Mundo da Lua, pegar santinho no chão em dia de eleição. Mudar de casa, fazer amizade com a molecada da rua nova, jogar bola na rua nova o dia inteiro, ter um time pra jogar contra time de outros bairros, outras escolas, outras ruas. Estudar inglês desde pequeno, ser ruim em matemática na escola mas aprender a fazer conta de cabeça e perceber que você faz dum jeito esquisito como seu tio, andar de bicicleta com uma gangue duns 15 moleques nas noites quentes, achar superlegal quando seu tio de Brasília chega do nada numa quinta-feira e quer ir pra represa, descobrir o computador mas logo achar que não tem muita graça e só voltar a ele anos depois. Assistir Anos Incríveis e quase decorar os diálogos de tanto ver, começar a ter bronquite, entrar no tae kwon do, ser escalado pra jogar de volante e ir pra frente tentar fazer gol, entrar pra natação, fazer acupuntura e sarar da bronquite. Sair da natação porque acha chato, entrar na musculação porque pesa 49kg, ser um adolescente cheio de amigos mas meio tímido, saber os nomes dos jogadores de todos os times da Copa, ver o Romário arrebentar na Copa, descobrir que o Aldair joga muito, detestar o São Paulo por ganhar tudo, detestar o Palmeiras por ganhar tudo, simpatizar com o Santos por não ganhar nada. 

Começar a ir na domingueira com 13 anos, começar a sair de sábado com 15 sem seus pais acharem que você vai morrer ou ser sequestrado, comer cachorro quente no China ou lanche no Cavalinho. Passar pela moda da botina, da camisa xadrez, do moletom Hard Rock e Planet Hollywood, faltar na primeira aula da segunda porque a domingueira foi cansativa. Ver o Gamarra jogando e descobrir que zagueiro também pode ser craque, ver seu time ganhar dois Brasileiros seguidos com um time de dar inveja, achar que quer cursar Educação Física, usar esparadrapo no braço pra dizer que foi fazer exame de sangue, poder dormir mais e entrar na segunda aula, parar de usar essa desculpa quando a inspetora começa a olhar estranho. Terminar o colegial sem saber o que vem pela frente mas achando que obviamente vai dar tudo certo, fazer 18 anos, perder dois amigos logo que o colegial acabou e descobrir do pior jeito que não é só velho que morre, dar ainda mais valor aos seus melhores amigos. Ter 18 anos e achar que já cresceu. Mal sabia eu que ainda tinha muito pela frente.