Aprender a pegar laranja e
mexerica no pé com os tios, aprender os nomes dos bichos de plástico com um
deles, querer ajudar o pai a consertar a moto da empresa e quebrar o farol na
martelada. Ouvir história do Cascão, brincar de jogo da memória com sua tia,
ganhar e até hoje não saber se você era bom ou se ela deixava, apanhar morango
na horta com a outra tia, esperar sua tia de Santos no Natal. Dormir à tarde
pra poder ver filme que acabava tarde, crescer brincando na rua de terra, brincar
de Playmobil fazendo buraco nessa rua de terra. Polícia e ladrão, mãe da rua,
esconde-esconde e pega-pega na rua sem perigo de ser atropelado. Esperar os
primos na Páscoa, nas férias de julho e no Natal. Ir com eles comer cachorro
quente nos trailers da Concha Acústica e depois tomar sorvete na Eiffel ou na
Golfinho. Jogar bola na rua e no quintal da vó até ela xingar porque quer ver
televisão. Ver sua mãe ir na sua escolinha descobrir qual o doce que você viu
um menino comendo e tá com vontade. Ir pra escola sozinho desde pequeno sem
isso ser nem um pouco perigoso. Ver sua cachorrinha correr pelo quintal, ficar
velhinha e morrer dormindo, jogar capucheta com pedra pra cima e na queda essa
pedra acertar a cabeça duma criança bem quando seu pai tá passando. Jogar bola
na rua de cima. Soltar pipa que o seu amigo empinou pra você porque você não
sabe, bolinha de gude que você é meia-boca, bater bafo, jogar botão e finalmente
ser bom numa brincadeira dessas tradicionais. Trocar figurinha do Campeonato
Brasileiro, da Copa e do Ping-Pong.
Ter uma das letras mais feias e uma das
melhores notas da classe, ser representante de classe sem saber exatamente pra
que serve além de buscar giz pra professora. Ver a primeira Copa na hora do
almoço e achar a coisa mais legal do mundo, comemorar o primeiro Brasileirão do
Corinthians levado nas costas pelo Neto, ir brincar na casa dos amigos de
escola, não gostar de videogame, passar a gostar de videogame, assistir Mundo
da Lua, pegar santinho no chão em dia de eleição. Mudar de casa, fazer amizade
com a molecada da rua nova, jogar bola na rua nova o dia inteiro, ter um time
pra jogar contra time de outros bairros, outras escolas, outras ruas. Estudar
inglês desde pequeno, ser ruim em matemática na escola mas aprender a fazer
conta de cabeça e perceber que você faz dum jeito esquisito como seu tio, andar
de bicicleta com uma gangue duns 15 moleques nas noites quentes, achar superlegal
quando seu tio de Brasília chega do nada numa quinta-feira e quer ir pra
represa, descobrir o computador mas logo achar que não tem muita graça e só
voltar a ele anos depois. Assistir Anos Incríveis e quase decorar os diálogos
de tanto ver, começar a ter bronquite, entrar no tae kwon do, ser escalado pra jogar de volante e ir pra frente tentar fazer gol,
entrar pra natação, fazer acupuntura e sarar da bronquite. Sair da natação
porque acha chato, entrar na musculação porque pesa 49kg, ser um adolescente
cheio de amigos mas meio tímido, saber os nomes dos jogadores de todos os times
da Copa, ver o Romário arrebentar na Copa, descobrir que o Aldair joga muito,
detestar o São Paulo por ganhar tudo, detestar o Palmeiras por ganhar tudo,
simpatizar com o Santos por não ganhar nada.
Começar a ir na domingueira com 13
anos, começar a sair de sábado com 15 sem seus pais acharem que você vai morrer
ou ser sequestrado, comer cachorro quente no China ou lanche no Cavalinho. Passar
pela moda da botina, da camisa xadrez, do moletom Hard Rock e Planet Hollywood,
faltar na primeira aula da segunda porque a domingueira foi cansativa. Ver o
Gamarra jogando e descobrir que zagueiro também pode ser craque, ver seu time
ganhar dois Brasileiros seguidos com um time de dar inveja, achar que quer cursar
Educação Física, usar esparadrapo no braço pra dizer que foi fazer exame de
sangue, poder dormir mais e entrar na segunda aula, parar de usar essa desculpa
quando a inspetora começa a olhar estranho. Terminar o colegial sem saber o que
vem pela frente mas achando que obviamente vai dar tudo certo, fazer 18 anos, perder
dois amigos logo que o colegial acabou e descobrir do pior jeito que não é só
velho que morre, dar ainda mais valor aos seus melhores amigos. Ter 18 anos e
achar que já cresceu. Mal sabia eu que ainda tinha muito pela frente.
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