sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Intolerância

Na quarta-feira o Corinthians foi eliminado da Libertadores da América de uma maneira que todos consideraram vexatória. Horas depois, torcedores invadiram o Centro de Treinamento, picharam muros (algumas vezes uma forma válida de protesto) e quebraram vários carros. O que leva alguém a ter tal reação? Alguns dirão que é a paixão pelo time do coração, outros, que os jogadores mercenários mereceram, ainda que carros de roupeiro e massagista tenham entrado na dança. Para mim a razão é outra: intolerância.

A intolerância é a raiz de muitos dos problemas e da maioria dos casos de violência em nossa sociedade. Foi a intolerância ao diferente que tornou possível ao nazismo matar tanta gente, é a intolerância que faz alguém se sentir no direito de quebrar uma lâmpada na cara de quem tem uma orientação sexual diferente da sua e foi a intolerância à derrota e à frustração que fez esses torcedores invadirem o CT e quebrarem tudo . O que não entendo, o que não me agrada, o que é diferente do meu modo de vida, eu não tolero e, se não tolero, porque deveria respeitar?

O modo de vida moderno, em que vivemos em bolhas com gente muito parecida conosco contribui para que a gente conviva cada vez menos com quem é diferente. Vivemos em condomínios com gente de poder financeiro semelhante, nos escondemos em shoppings freqüentados por gente que se veste como nós e compra as mesmas coisas que compramos. As crianças de classe média e as mais ricas crescem sem nunca ter falado com um garoto pobre, visto sempre como uma ameaça. Os adultos de amanhã acham que aquele garoto pobre que joga bolinhas pro alto no semáforo é um extraterrestre, um monstrinho que veio ao mundo pra tirar sua paz, seu dinheiro e até sua vida. Aquele garoto pobre acha que o menino rico é só mais alguém que no futuro vai torcer pra ele levar um pipoco da polícia, mais alguém a excluí-lo.

Estudei a vida toda em escola pública, vivia em um bairro próximo de áreas bem pobres, inclusive uma favela. Joguei bola com esses garotos, sabia o nome de alguns e eles o meu, saí na porrada com alguns deles (bem poucos, sou da paz, quase sempre, rss). Não sou nenhum exemplo de integração, não sou daqueles que param pra conversar com um mendigo para saber o que ele sente, o que ele pensa da vida e da sociedade, mas me sinto privilegiado por ter crescido assim, fora da bolha. Tenho medo de como será o futuro, com o mundo comandado por gente que quando criança ia do condomínio pra escola particular cheia de seguranças, dali pra aula de natação no clube e de lá pro shopping, sempre de motorista (ainda que o motorista fosse o pai ou mãe) e nunca tendo de se virar. Qual o grau de tolerância que essas pessoas terão? Será que se sentirão no direito de bater em gays ou colocar fogo em mendigos, pois eles não são iguais?

A intolerância é também uma das raízes da falta de liberdade. Alguém mal vestido não entra em uma daquelas ruas fechadas, que vemos muito em alguns bairros de São Paulo, alguém muito bem vestido, não tem coragem de entrar em uma favela onde acha que vai ser assaltado ou até morto. Nossa liberdade de ir e vir é cada vez menor, pois não nos sentimos seguros, e trocamos nossa liberdade por segurança ou pior, por uma sensação de segurança. Coloco grade nas janelas, faço um muro de 4 metros e coloco nele uma cerca elétrica pra me proteger. Perco minha liberdade de ver a rua, de poder pular a janela se perder a chave da porta. São coisas pequenas, que muita gente acha uma besteira, mas sei lá, eu acho que prefiro o risco de ter alguma liberdade à segurança total. Claro que aí também entra a questão econômica e social, mas isso pode ser assunto para um próximo post.

Neste, fica a proposta: que tal exercitarmos a tolerância? E se tem algum pai ou mãe lendo esse texto, que tal mandar seu filho a pé ou de ônibus pra natação na semana que vem?

2 comentários: